domingo, 25 de abril de 2010

DA PRAGA DE GAFANHOTO À BENTO GONÇALVES

(Vista Geral de Bento Gonçalves fotografada a partir do Bairro Planalto no início dos anos 1950)
Vista geral de Bento Gonçalves a partir do Bairro Planalto no início dos anos 1950.


Um fato marcante da vida na Estação Experimental de Pomicultura de Taquari foi uma invasão de gafanhotos (os saltões), durante a gestão do Guimarães. Meu pai, Eugênio Franck, era o seu técnico de confiança, quando começou a invasão ele estava de férias, mas quando os gafanhotos se aproximaram da estação, o Guimarães pediu para ele interromper as férias e comandar o combate aos gafanhotos.

Esse combate foi feito com muita eficiência, uma parte da nuvem que passou ao largo da estação se acomodou num banhadal da fazenda Lemerts e virou adulto voador, aí vieram em sentido contrário e invadiram pelo ar toda a estação.

Meu pai falou com o Guimarães para que todos comandassem seus subordinados, no controle de cada área de sua responsabilidade, custou um pouco até compreenderem a gravidade do problema, para então começaram a tomar providências. Enquanto meu pai com seus subordinados cuidavam da lavoura os outros combatiam os saltões nos pomares, viveiros, etc.

Por causa deste incidente e por ciúmes das atenções que o diretor dava ao meu pai, conseguiram criar um clima desagradável, e por esta razão meu pai aceitou a oferta do diretor da DPV para mudar-se para Bento Gonçalves, onde chefiaria a Inspetoria de Sericicultura.

(Vista Geral de Bento Gonçalves, mostrando casas com parreirais no perímetro urbano)
Bento Gonçalves fotografada a partir do Bairro Planalto no início dos anos 1950


Na verdade foram muitas mudanças: de serviço ede costumes. Em Bento Gonçalves havia um ambiente completamente diferente, essa era uma unidade sem crédito no comércio, pois o chefe anterior ficara devendo para todo o mundo e os empregados atuavam como mensalistas ou diaristas, sem condições adequadas de trabalho.

Sua primeira providencia foi pagar as dívidas, para isso mandou cortar um mato de eucaliptos que vendeu para as cantinas e com o dinheiro pagou o comércio.

Segunda: Desmanchou um galpão sem utilidade, e mandou fazer casas para os operários, dentro do terreno da inspetoria. Também mandou ocupar uma casa de material, que, dividida, abrigou duas famílias.

Terceira: Organizou a produção de bichos da seda, para distribuição aos agricultores, o cultivo de amoreiras para alimentá-los e a extração dos fios de seda dos casulos.

Quarta: Organizou, no prédio destinado a criação de bicho da seda, a primeira exposição de uva e vinho de Bento Gonçalves.

Uma vez organizado procurou desenvolver atividades concernentes à sua função, administrando dentro dos limites da mão de obra disponível, que era abundante e de boa qualidade.

Para locomoção, meu pai tinha à sua disposição uma charrete e uma égua, uma carroça de quatro rodas e duas mulas.
(Silveira, o genro, Cecy a filha e Anna a esposa de charrete)
Charrete usada em Taquari


Quando chegamos a Bento Gonçalves em maio de 1948, a cidade tinha 4.000 mil habitantes e o interior 10.000, contando com S. Tereza e Monte Belo.

O calçamento ia da frente da Igreja Matriz de Santo Antônio até a escadaria da rua Marechal Deodoro com a Floriano Peixoto e da Deodoro pela Saldanha até a entrada da parte velha do hospital Tachini.

O Prefeito era o Milton Rosa, parente da minha mãe por sinal, não me lembro se era ele (minha mãe também era rosa), ou a esposa dele.

(Cecy na casa “nova” em Bento Gonçalves, com o jardim ainda “por fazer”)
Cecy na casa do Planalto em Bento Gonçalves no início dos anos 1950


(Em frente a casa, curtindo o domingo: Silveira, Cecy, Jacy e Eugênio)
Em frente a caso no Bairro Planalto em Bento Gonçalves


Para o lazer, a cidade contava com o Clube e o cinema Aliança, o Clube e cinema Ipiranga e o cinema dos padres (Vox Pópuli). O Hospital Tachini tinha somente a parte velha, com o Dr. Antonio e o Dr. Bozzetto, e o Hospital Giorgi, era atendido pelo próprio Dr. Giorgi.

Ferragens havia duas: Planalto e Fianco e loja com material de construção tinha a do Ernesto Dill. Também havia uma fábrica de sulfato de cobre do Dr. Péricles Barbosa, uma fábrica de bombas de sulfatar (Eletro Mecânica), a segunda residência do DAER, o grupo escolar Bento Gonçalves da Silva, os colégios dos maristas e das freiras, uma exatoria estadual e outra federal e uma fábrica de fogos de artifícios (“Atômica”).

(Cecy e Silveira chegando para uma visita, ao fundo vê-se a sede da Estação em Bento Gonçalves, hoje museu do imigrante)
Bairro Planalto em Bento Gonçalves no início dos anos 1950

(Prontos para passear: Eugênio, Anna, Cecy e Silveira)
Na frente da casa onde moraram no início dos anos 1950


As vinícolas sustentavam o município, pois cerca de 95% da renda era proveniente delas. Nessa época eram: Cia.Mônaco, Dreher, Aurora, S. Vinícola Riograndense, Salton, Fontanive, além das coloniais no interior do município.

As uvas vinificadas eram: Isabel, a grande maioria, Seibel nº2 e Seibel nº10096, Herbemonte, Concord e Bordeaux e as viníferas tintas cultivadas em pequena quantidade como: Barbeira e Bonarda, e as brancas: Trebiano, Peverela e Moscatel Branco. Como uva de mesa cultivavam-se Piróvanos e Moscatel de Hamburgo. Ligada à uva havia uma Estação Experimental de Viticultura e Enologia.

Bento Gonçalves era uma cidadezinha do interior onde todos se conheciam e se cumprimentavam ao passarem uns pelos outros na rua. Povo orgulhoso não aceitava com facilidade “forasteiros” como amigos (provavelmente com medo da concorrência). Meu pai sentiu o problema, apesar de ser muito bem recebido no comércio (pagava sempre à vista). Os poucos amigos que fez foram: Mario Mônaco, David Calegari e família, José Grazzia e alguns agricultores.

Por duas vezes o pessoal da Estação de Taquari, lotou um caminhão e veio até Bento fazer uma churrascada em homenagem ao meu pai, mostrando que era uma pessoa muita bem quista, e deixou saudades, enquanto que aqui, afora uns poucos, deixou apenas conhecidos.

(Visita às obras de construção da Ponte Ernesto Dornelles no Rio das Antas, Jacy, Cecy e Eugênio)
Visita a construcao da ponte "Ernesto Dornelles" no Rio das Antas no inicio da década de 1950


A política de deixar como está e apenas receber o salário no fim do mês, não era com meu pai, ele estudava os problemas, pensava em soluções e punha a situação em preto e branco para os chefes, desta maneira foi que, em 1952, resolveram transformar a Inspetoria de Sericicultura em Campo de Multiplicação de Árvores Frutíferas, por sugestão do meu pai. Isso porque, em aqui chegando, inteirou-se do tipo de serviço que vinha sendo realizado, verificando que os objetivos não vinham sendo alcançados, uma vez que estava sendo produzida uma mercadoria que ninguém mais queria (fios de seda).

Outro fato que apressou a mudança dos rumos foi o incêndio no prédio reservado à criação do bicho da seda, que acabou com toda a criação. Este prédio era uma estufa mal construída, que já existia antes da chegada do meu pai a Bento Gonçalves.

Feitas as mudanças, começaram a produzir mudas de árvores frutíferas e a vida para meu pai ficou muito movimentada, pois tinha que buscar material de trabalho na estação em Taquari e Farroupilha, nesta altura ele já tinha recebido um jipe para seu transporte, quem aprendeu primeiro a dirigir fui eu, depois ensinei o Giardino e o Archimedes. Meu pai tomou como motorista efetivo o Giardino, só em casos esporádicos, como nas férias, era o Archimedes, quem dirigia.

Depois que fizeram a mudança de Inspetoria de Sericicultura para Campo de Multiplicação de Árvores Frutíferas, meu pai não parou mais de trabalhar na colônia, de manhã e de tarde, visitando agricultores, para fazerem pomares de árvores frutíferas (laranja, pêssego, maçã, pêra e banana), produzidas nos viveiros do CMAF de BG, dirigido por ele. Se o colono aceitava, ele o Giardino e o Archimedes faziam a marcação do pomar, que variava em número de mudas desde 50 até 2.000, o número total de pomares estabelecidos foi de 2.300, distribuídos nos municípios de B. Gonçalves, a grande maioria (principalmente no distrito de Pinto Bandeira), Farroupilha, Veranópolis e Garibaldi.

Depois da marcação, ensinavam o agricultor a abrir as covas (terra de cima da cova para um lado e a de baixo para o outro, na hora de plantar fazer a inversão), depois das covas abertas, levavam as mudas para o colono plantar (aí ensinavam o colono a plantar), no ano seguinte ensinava a fazer poda de formação, e nos próximos a poda de frutificação.

Neste período de sua vida, praticamente não tinha tempo para mais nada, percorreu milhares de quilômetros nestas colônias, nem tempo de almoçar direito tinha.
Duvido que na época existisse pessoa mais conhecida, benquista e respeitada como homem e como técnico do que ele, no interior do município de B. Gonçalves. Além de fazer as marcações técnicas ele foi um verdadeiro professor de práticas agrícolas e familiares, ensinando inclusive, noções de higiene.

Foram anos de trabalheira, ele e o Giardino passaram com o jipe, aonde até as carroças tinham dificuldade, os dois eram muito valentes para poderem executar seu trabalho, em lugares que ninguém acreditava que pudessem. Com essa correria mais os cigarros, foram se agravando os problemas do coração do meu pai.

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